
Comunidade da foz do Rio Doce celebrou conquista inédita com programação cultural e ambiental; região é símbolo de resistência após o maior desastre ambiental do país
A vila de Regência, localizada no município de Linhares, no Espírito Santo, foi palco de uma celebração histórica no último domingo, 27 de julho. A comunidade festejou a titulação oficial da Reserva Nacional de Surf (RNS) Regência, reconhecimento que consolida a importância da região para o surfe brasileiro, a conservação ambiental e os modos de vida tradicionais ligados ao mar e ao rio.
A cerimônia realizada na foz do Rio Doce, incluiu a inauguração do totem da reserva, além de atividades como roda de conversa, limpeza de praia e atrações culturais. O evento também marca uma vitória simbólica para um território que ainda enfrenta os impactos do rompimento da barragem de Fundão (MG), ocorrido em 2015, o maior crime ambiental da história do Brasil. “A titulação de Regência é parte da nossa reconstrução. Antes do desastre, o surfe local já se consolidava com forte identidade comunitária. Hoje, renascemos com ainda mais força e organização”, afirma Hauley Vanin, sociólogo e articulador da RNS Regência.
Legado de resistência e proteção das ondas
Desde o crime de 2015, que despejou mais de 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração ao longo da bacia do rio Doce, a vila de Regência tem se destacado como exemplo de mobilização comunitária. A aprovação, em 2024, de uma lei municipal que reconhece as ondas da foz do Rio Doce como entes especialmente protegidos reforçou o compromisso local com a preservação ambiental e cultural.
A legislação contempla os ciclos ecológicos que mantêm o equilíbrio do ecossistema marinho e reconhece a singularidade das ondas tubulares da praia de Regência, entre as mais valorizadas do surf nacional.
A titulação como Reserva Nacional de Surf fortalece esse processo ao inserir Regência em uma rede de territórios costeiros reconhecidos pelo Programa Brasileiro de Reservas de Surf (PBRS), iniciativa coordenada pelo Instituto APRENDER Ecologia em parceria estratégica com a Conservação Internacional (CI-Brasil).
Planejamento coletivo e reconhecimento internacional

Foto: Josiana Dias
Dentro do calendário de atividades, foi realizada a Oficina de Integração e Planejamento Estratégico, reunindo 33 pessoas entre moradores, surfistas, especialistas e instituições para construir de forma participativa um plano de gestão para a reserva. A atividade foi reconhecida como parte da Década da Ciência Oceânica da ONU, coordenada pela Unesco.
Regência passa a integrar oficialmente a lista de reservas nacionais ao lado de Itamambuca (SP), Moçambique (SC) e Praia do Francês (AL), todas já tituladas pelo PBRS e conectadas em uma rede colaborativa de governança comunitária e conservação. “Esse é um passo importante para consolidar o surfe como vetor de transformação territorial. Aqui, ele se conecta à cultura, à economia local e ao cuidado com a natureza”, destaca Vanin.
Próximos passos

Foto: Josiana Dias
Com a titulação oficial, o próximo desafio da comunidade será sistematizar as propostas discutidas na oficina em um Plano de Gestão Participativo, além de instituir um Comitê de Gestão Local que garanta a continuidade do diálogo, da corresponsabilidade e da implementação de ações sustentáveis.
Mais do que reconhecer o valor das ondas, a RNS Regência propõe um modelo em que o esporte, a natureza e a cultura caminham juntos, como instrumentos de regeneração e justiça ambiental.
Sobre o Instituto APRENDER Ecologia – Associação civil fundada em 2000 em Florianópolis (SC), com foco em ações educativas, culturais, esportivas e ecológicas.
Sobre a Conservação Internacional (CI-Brasil) – Organização não governamental que atua desde 1990 na proteção da biodiversidade e no fortalecimento das comunidades. Saiba mais: www.conservacao.org.br
Foto em destaque: Fabricio B Almeida, Instituto APRENDER Ecologia